Tuesday, August 22, 2017

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Saturday, August 19, 2017

3 série - A América Latina e a Guerra Fria (parte II)

3.2 O governo Eisenhower (1953-1961)
O general Dwight D. Eisenhower, ex-comandante dos Aliados ocidentais na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, foi eleito presidente dos EUA pelo Partido Republicano. No seu governo, a Guerra Fria se intensificou, sobretudo no Terceiro Mundo, onde os EUA entraram em confronto não apenas com governos ou movimentos marxistas, mas também nacionalistas, vistos como “esquerdizantes” e ameaçadores aos interesses econômicos e estratégicos americanos. A época em que Eisenhower governou os EUA coincidiu com a ascensão de Nikita Khruschev à liderança da URSS após a morte de Stalin (1953).

a) O caso da Guatemala
Antecedentes. País da América Central, a Guatemala foi um dos principais centros da antiga civilização dos maias, que hoje constituem 40% da população. Na primeira metade do século XX, a Guatemala desenvolveu uma economia agro-exportadora baseada em latifúndios produtores de café, cana de açúcar e banana utilizando uma mão-de-obra barata de origem indígena. Como nos demais países da América Central, esse modelo econômico tinha uma grande dependência do mercado e de capitais americanos. Politicamente, nesse período o país foi marcado por golpes de Estado e ditaduras militares respaldadas pelas elites agrárias. O governo ditatorial do general Jorge Ubico (1931-1944), especialmente, destacou-se por algumas obras modernizadoras e por favorecer os investimentos americanos, sobretudo da poderosa empresa United Fruit Company (UFCO), que passou a controlar 40% das melhores terras do país e a exportação de banana. A UFCO também assumiu o controle do transporte ferroviário, da geração de energia, da telefonia, dos telégrafos e da principal instalação portuária do país. Em julho de 1944, em meio a uma greve geral que deixou o país paralisado, Ubico renunciou e passou o poder para um general aliado, mas a pressão popular pela liberalização do regime continuou. Em outubro, a ditadura foi finalmente derrubada por militares dissidentes que instalaram uma junta governamental, da qual fazia parte o coronel Jacobo Arbenz Guzmán, encarregada da democratização do país.

Os Dez Anos de Primavera (1944-1954). Os Dez Anos de Primavera foi um período de democracia na Guatemala, marcado por uma intensa atividade política, pelo crescimento do movimento dos trabalhadores e por expectativas de reformas. Juan José Arévalo foi o primeiro governante democrático da história do país e seu governo (1945-1951) iniciou reformas que fortaleceram os sindicatos, sobretudo a Confederação Nacional Camponesa da Guatemala ou CNCG, e tentaram obrigar os latifundiários a arrendar, a um baixo preço, suas terras não-cultivadas aos trabalhadores rurais. Essas medidas foram consideradas por demais radicais pelos grupos conservadores do país e pelos EUA (governo Truman), gerando entre eles o temor da esquerdização da Guatemala. A apreensão cresceu quando o principal candidato da direita a sucessão de Arévalo, o general Francisco Javier Arana, foi assassinado em julho de 1949. Sua morte beneficiou a candidatura do seu rival, o militar Jacobo Arbenz Guzmán que, apoiado pelas esquerdas, venceu as eleições presidenciais de 1950 com 60% dos votos. O governo de Arbenz (1951-1954), época da “Revolução Guatemalteca”, foi marcado pelo crescente confronto com os EUA, que atingiu o ápice na presidência de Eisenhower. Arbenz era um militar progressista que costuma ser classificado de “populista”. Ele não era socialista no sentido marxista, mas defendia reformas de centro-esquerda inspiradas no nacionalismo econômico, no trabalhismo e em idéias de distribuição de renda para modernizar o capitalismo, reduzir a pobreza e eliminar a dependência econômica da Guatemala em relação aos EUA. Seu governo fez uma intervenção nas ferrovias e ameaçou estatizar a geração de energia, dois setores controlados pelos americanos. Outras medidas importantes foram a legalização do partido comunista (o Partido Guatemalteco do Trabalho ou PGT), que apoiou o seu governo, e o programa de reforma agrária. Uma nova lei (o Decreto 900) deu ao governo poderes para expropriar terras improdutivas e redistribuí-las aos camponeses pobres e aos trabalhadores sem-terras, com o duplo objetivo de aumentar a produção agrícola e criar uma próspera camada de pequenos proprietários rurais. Os antigos donos expropriados seriam indenizados de acordo com o valor da terra declarado para fins tributários. Essas medidas desagradaram os latifundiários e a UFCO, que possuía muitas terras improdutivas. O governo Eisenhower considerou que Arbenz estava levando a Guatemala na direção do comunismo e da influência soviética, impressão que foi reforçada pela decisão de Arbenz de importar armas da Tchecoslováquia, um Estado satélite da URSS. A situação ficou mais complicada porque o secretário de Estado dos EUA, John F. Dulles, o seu irmão Allen W. Dulles, diretor da CIA, e a secretária pessoal de Eisenhower tinham ligações com a UFCO. A mistura de interesses econômicos americanos contrariados na Guatemala com o temor da comunização ou sovietização do país levou o governo Eisenhower a articular a derrubada de Arbenz e interromper a “Revolução Guatemalteca” em sua fase inicial, antes que fosse tarde demais.

A derrubada de Arbenz (1954). No início de 1954, Eisenhower aprovou uma covert operation (operação secreta ou dissimulada) da CIA para afastar Arbenz do governo da Guatemala, baseada em um plano mais antigo elaborado ainda na época de Truman. Sob o codinome PBSUCESS, a operação resultou na organização do “Exército de Libertação”, um grupo de 400 rebeldes guatemaltecos e mercenários financiados e armados pelos EUA em outros países da América Central. Comandado por um militar guatemalteco exilado, o coronel Carlos Castillo Armas, o Exército de Libertação invadiu a Guatemala a partir de Honduras e de El Salvador, em 18 de junho de 1954, enquanto a marinha americana lançava um bloqueio naval contra o país e uma rádio clandestina dos rebeldes transmitia informações falsas para confundir os guatemaltecos e seu governo. O exército guatemalteco, temendo uma intervenção militar direta dos EUA, não ofereceu resistência aos invasores, que na verdade constituíam uma força fraca e mal-preparada. Abandonado pelos militares, Arbenz renunciou no dia 27 de junho e, junto com 600 partidários, partiu para o exílio no México. Armas acabou assumindo o poder.
Cabe observar que alguns autores chamam a derrubada de Arbenz de “Revolução Guatemalteca de 1954”, enquanto outros consideram que as medidas do governo de Arbenz em 1951-1954 é que constituíram a verdadeira “Revolução Guatemalteca”.

Significado do golpe de 1954. Os eventos de 1954 na Guatemala demonstraram a intolerância do governo Eisenhower com governos latino-americanos considerados de esquerda ou favoráveis ao comunismo, em uma época de agravamento da Guerra Fria e de sua expansão na América Latina. Por outro lado, a ameaça comunista pode ter sido propositalmente exagerada para encobrir outros interesses em jogo, como os investimentos americanos no país. De qualquer forma, Eisenhower deixou claro a sua disposição em interferir nos assuntos internos dos países da América Latina (entre outras regiões) e de apoiar a derrubada das frágeis democracias locais quando os interesses estratégicos ou econômicos dos EUA estivessem suposta ou realmente ameaçados – uma política que, em princípio, não tem nada de historicamente extraordinário, sendo típica de potências imperialistas que naturalmente zelam pela hegemonia em suas zonas de influência. De fato, o presidente Truman, antecessor de Eisenhower, já havia planejado a intervenção na Guatemala, mas abandonou o plano original depois que ele foi revelado. A intervenção americana não assumiu a forma de uma ação militar direta e unilateral, como nas épocas anteriores à Política de Boa Vizinhança. A estratégia dos EUA na Guerra Fria era de só agir militarmente de forma aberta na América Latina com o apoio da OEA, em operações multilaterais em nome de interesses coletivos, como a “segurança hemisférica”, que dariam legitimidade às intervenções. Os EUA tentaram obter esse apoio contra a Guatemala na Conferência Interamericana de Caracas (março de 1954). Nessa reunião, foi aprovada uma resolução que adaptou a Doutrina Monroe ao contexto da Guerra Fria, declarando-se que o controle comunista sobre governos ou instituições políticas dos países americanos constituiria uma ameaça ao conjunto do Hemisfério Ocidental, exigindo medidas adequadas em conformidade com o Pacto do Rio (TIAR), ou seja, prevendo uma ação armada contra um regime comunista ou favorável ao comunismo na região. Entretanto, a resolução também afirmou que só seria autorizada uma intervenção depois de uma nova reunião, o que impediu uma ação militar imediata e individual dos EUA na Guatemala, forçando-o a optar por uma operação secreta. Essa postura intervencionista dissimulada (na verdade, não tão dissimulada assim), que em geral costuma ser oficialmente negada pelo governo americano, foi mantida pelos sucessores de Eisenhower – aparentemente até tempos mais recentes, como no possível envolvimento do governo George W. Bush na tentativa de derrubada de Hugo Chávez na Venezuela, em 2002.

Conseqüências. A queda de Arbenz destruiu a nascente democracia guatemalteca. Por três décadas (1954-1985) a Guatemala viveu sob governos ditatoriais apoiados pelos EUA. A situação política se agravou a partir de 1960 com a emergência de grupos guerrilheiros esquerdistas, influenciados pela Revolução Cubana, que enfrentaram o governo, mergulhando o país em uma guerra civil de aproximadamente 35 anos (1960-1996). Em 1985, a democracia foi restaurada, mas a guerra civil só foi encerrada em 1996 com um acordo de paz entre o governo e a guerrilha. Por outro lado, a intervenção dos EUA na Guatemala foi seguida por uma onda de protestos na América Latina organizados por movimentos nacionalistas e esquerdistas, sobretudo estudantis e sindicais. O resultado foi o crescimento do anti-americanismo na região, exemplificado pela violenta recepção que o vice-presidente dos EUA, Richard Nixon, encontrou em sua famosa viagem à América do Sul em maio de 1958 – culminando em seu quase linchamento por uma multidão enfurecida nas ruas de Caracas, Venezuela.

b) O caso de Cuba

Antecedentes (1900-1950).
Cuba foi a última colônia espanhola na América Latina que ficou independente. No século XIX, os cubanos tentaram se libertar da Espanha em duas ocasiões: em 1868-1878 e em 1895-1898. A segunda tentativa precipitou a intervenção dos EUA contra os espanhóis, desencadeando a Guerra Hispano-Americana (1898). A Espanha foi derrotada e perdeu o domínio sobre Cuba, que foi ocupada pelos EUA em 1898-1902 enquanto os cubanos organizavam o seu regime político. Uma constituição foi promulgada em 1901 incorporando a famosa Emenda Platt, que dava aos americanos o direito de intervenção na ilha para preservar a ordem. Em 1902, Cuba ficou formalmente independente e os EUA retiraram suas tropas, mas conseguiram estabelecer uma base militar em Guantánamo (1903). Na prática, Cuba virou um protetorado ou “semicolônia” dos EUA, que passaram a dominar grande parte da economia do país, sobretudo o setor açucareiro (base econômica cubana e que tinha nos EUA o seu principal mercado consumidor). Tropas americanas intervieram na ilha em 1906-1909, 1912 e 1917-1922. Em 1934, de acordo com a Política de Boa Vizinhança de Franklin Roosevelt, a Emenda Platt foi revogada, mas os americanos continuaram dominando a economia cubana e preservaram a base em Guantánamo. Entre 1933 e 1959, a política em Cuba foi marcada pela figura do militar Fulgêncio Batista, que governou oficialmente o país em 1940-1944 e em 1952-1959. O seu primeiro governo foi democrático, baseado na Constituição de 1940 (muito avançada em termos de garantias de direitos sociais), e contou com o apoio e participação dos comunistas. Reformas sociais foram feitas em um contexto de prosperidade econômica. Mas em 1952-1959, Batista governou como um ditador, sem o apoio dos comunistas. Nessa época, Cuba tinha se transformado em um dos países mais ricos da América Latina, com a segunda maior renda per capita da região (só perdia para a Venezuela, que era beneficiada pelo petróleo) e um dos melhores índices de saúde, educação e expectativa de vida do Hemisfério Ocidental. Entretanto, esses indicadores socioeconômicos eram mais positivos nas cidades do que no meio rural e Cuba não era de forma alguma um país “desenvolvido”. Havia uma grande concentração de renda nas mãos da elite partidária do regime de Batista, a pobreza ainda era considerável e o país continuava muito dependente da exportação de açúcar para os EUA e de investimentos americanos. Além disso, a década de 1950 foi marcada pelo crescimento dos negócios de turismo, do jogo e da prostituição nos centros urbanos, em geral envolvendo mafiosos americanos. Um sentimento de humilhação nacional diante da degradação moral e da submissão aos EUA (real ou aparente) espalhou-se entre parte da população, principalmente os estudantes e intelectuais da classe média, setores da elite econômica excluídos das benesses do regime e os trabalhadores mais pobres. O ressentimento nacionalista foi reforçado pela insatisfação com a corrupção, o autoritarismo e a repressão. Foi no contexto da ditadura de Batista, contemporânea em sua maior parte do governo de Eisenhower, que eclodiu a Revolução Cubana.

A Revolução Cubana (1953-1959). A Revolução Cubana foi um movimento ideológica e politicamente heterogêneo, reunindo diversos grupos rivais de esquerdistas, nacionalistas e liberais que tinham em comum o objetivo de derrubar Batista, democratizar e moralizar o país e fazer reformas. Entre os revolucionários, destacou-se o grupo liderado pelo jovem e carismático advogado Fidel Castro. Em 26 de julho de 1953, Castro liderou um ataque mal-sucedido ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, na região oriental do país. Parte dos revolucionários morreu nessa ação e Castro foi preso. Libertado em 1955 por um decreto de anistia política, ele foi para o México e reorganizou o seu grupo, que adotou o nome de Movimento 26 de Julho (M-26-7). Ainda no México, o grupo castrista recebeu a adesão do médico argentino Ernesto “Che” Guevara, que tinha vivido na Guatemala na época da queda de Arbenz, uma experiência decisiva para a sua radicalização política e o seu antiamericanismo. Em dezembro de 1956, o M-26-7, com cerca de 80 homens, desembarcou em Cuba e iniciou uma guerrilha contra Batista, concentrando suas ações na Sierra Maestra, sob a liderança de Fidel, seu irmão Raul Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos. Paralelamente, a oposição a Batista cresceu entre vários setores da sociedade cubana, sobretudo junto aos estudantes, intelectuais e sindicatos. Os comunistas, que tinham uma grande influência no movimento sindical, mas que inicialmente relutaram em apoiar a luta armada, aceitaram ajudar o M-26-7 no início de 1958. A revolução cubana, entretanto, não assumiu um caráter tipicamente socialista, ao menos no sentido “marxista-leninista”, e o PSP (Partido Socialista Popular, nome do partido comunista cubano) era apenas uma das forças anti-Batista, assim mesmo com uma posição muito ambígua e hesitante em relação a Fidel Castro. Isso não significa que idéias socialistas não circulassem entre os guerrilheiros castristas. Raul Castro e Che Guevara eram simpáticos ao comunismo e o próprio Fidel defendia reformas sociais e econômicas coletivistas que não eram radicalmente diferentes das medidas estatizantes propostas pela tradição socialista (reforma agrária, intervenção governamental na economia). O M-26-7 era certamente uma organização esquerdista, mas de linha mais nacionalista do que marxista ortodoxa e independente do partido comunista, dos seus dogmas e do controle soviético – uma posição que deixou inicialmente o governo de Eisenhower confuso sobre as reais intenções do grupo castrista. Em 1958, a violência política cresceu no país aumentando a insegurança para os negócios americanos. Como o movimento revolucionário incluía grupos liberais partidários da manutenção dos laços econômicos com os EUA, Eisenhower não considerou a luta contra Batista uma ameaça muito grande aos interesses americanos, embora não tivesse certeza absoluta quanto a isso. Inicialmente, Eisenhower apoiou Batista, mas com o aumento da instabilidade política e os problemas econômicos, o governo americano passou a considerar que apenas com o fim da ditadura Cuba voltaria à normalidade. Consequentemente, os EUA passaram a pressionar Batista para que renunciasse, mas o ditador cubano resistiu. Em março de 1958, o governo americano suspendeu o fornecimento de armas a Batista (mas não impediu que ele importasse material bélico da Grã-Bretanha e da Iugoslávia). Em abril do mesmo ano, uma greve geral foi desencadeada com pouco sucesso. Porém, a guerrilha do M-26-7 continuou suas ações e, em maio-junho, derrotou uma grande ofensiva do exército. Nos meses seguintes as forças guerrilheiras avançaram e a situação de Batista ficou insustentável. Em 1 de janeiro, Batista renunciou e fugiu do país. A revolução triunfou, abrindo caminho para que o grupo de Fidel Castro assumisse o poder.

O início do regime revolucionário (1959-1960). Os EUA viram com apreensão a vitória da Revolução Cubana, mas estavam de certa forma conformados com a sua inevitabilidade. A Casa Branca não tinha nenhuma simpatia por Fidel Castro, de quem desconfiava por suas posições esquerdistas, e esperava que um grupo mais moderado assumisse a direção do país, afastando a influência dos comunistas ortodoxos (PSP) e dos não-ortodoxos e independentes (M-26-7). De fato, em um primeiro e curto momento, a coalizão revolucionária foi mantida e o poder executivo foi assumido por dois liberais, com Manuel Urrutia na presidência (janeiro-julho) e José Miró Cardona como primeiro-ministro (janeiro-fevereiro). Os EUA ficaram mais tranqüilizados e reconheceram o novo governo. Entretanto, quem de fato detinha o poder era Fidel Castro, que adquiriu o título de Comandante-em-Chefe Militar e, junto com os demais líderes guerrilheiros, assumiu o controle das forças armadas, expurgando de suas fileiras os elementos pró-Batista. A posição do M-26-7 se fortaleceu em fevereiro, quando Miró renunciou e Fidel assumiu o cargo de primeiro-ministro. Entre as primeiras medidas do governo da coalizão revolucionária destacaram-se as de cunho moralizante (fechamento de bordéis e cassinos), econômico emergencial (controle de preços e intervenções em empresas estrangeiras) e de “justiça revolucionária” ou, simplesmente, vingança (prisão, julgamento e execução dos antigos colaboradores de Batista). Muitos “batistianos” fugiram para os EUA, onde formaram uma comunidade de exilados que tentou convencer o governo Eisenhower a agir contra o regime revolucionário. A Casa Branca, entretanto, não sabia ao certo o que fazer. A situação política em Cuba ainda não estava claramente definida e havia esperança de que os liberais conseguissem prevalecer, ou que o próprio Fidel optasse por uma postura mais moderada. A medida mais extrema – uma intervenção militar – era politicamente inviável naquele momento: não havia ainda nenhum pretexto que a justificasse ou o apoio da OEA e, pior, poderia reforçar o crescente antiamericanismo revelado na desastrosa viagem do vice-presidente Nixon à América do Sul em 1958 (episódio que abalou Eisenhower). Em abril, Fidel viajou aos EUA, mas Eisenhower não quis recebê-lo (encontrou-se com Nixon, que não teve boa impressão do novo dirigente cubano).
A situação se deteriorou rapidamente nos meses seguintes com a ruptura da aliança revolucionária por causa das divergências quanto aos rumos da revolução (principalmente a respeito da reforma agrária proposta pelos esquerdistas) e a oposição dos moderados a crescente influência comunista no novo regime. Em maio de 1959, foi aprovada a Lei de Reforma Agrária, que limitava o tamanho das propriedades rurais, expropriava as áreas cultiváveis excedentes e previa a exclusão de não-cubanos do direito de possuir terras. A lei não apenas atingiu os interesses dos latifundiários cubanos como, obviamente, ameaçou as propriedades de cidadãos americanos na ilha. A indenização oferecida pelo governo cubano foi considerada insuficiente pelas empresas americanas donas de terras (sobretudo a UFCO), que a rejeitaram. Em julho, o presidente Urrutia renunciou pressionado por Fidel e por setores populares mobilizados contra ele. Osvaldo Dorticós, um fiel aliado de Castro, assumiu a presidência de Cuba, com um poder mais simbólico do que real. A insatisfação com o controle esquerdista do governo, que caminhava para se transformar em uma ditadura revolucionária, cresceu entre os liberais, em sua maioria membros da elite econômica e da classe média que haviam feito oposição política a Batista, mas que não queriam uma alteração profunda nas estruturas econômicas e sociais de Cuba, nem a instalação de um outro regime autoritário. Esses grupos moderados, inseguros quanto ao futuro da revolução, também começaram a fugir em massa do país (40 mil pessoas em 1959-1960), engrossando as fileiras dos exilados nos EUA e reforçando a propaganda anticastrista.
A tensão entre os governos de Fidel e de Eisenhower cresceu no segundo semestre de 1959 e foi agravada em 1960 pela aproximação Cuba-URSS – um fato que não havia acontecido na Revolução Guatemalteca e que estava transformando Cuba em um caso muito mais perigoso para os EUA. A URSS reconheceu o novo governo de Havana em janeiro de 1959, mas foi somente em junho-julho que os dois governos iniciaram conversações por ocasião de uma viagem de Che Guevara ao exterior. Em fevereiro de 1960, os soviéticos assinaram acordos com os cubanos para a compra de açúcar e o fornecimento de ajuda econômica e de petróleo. Nessa altura, a CIA já havia apresentado a Eisenhower um plano para inviabilizar o regime revolucionário cubano prevendo a sabotagem das refinarias de açúcar da ilha. Eisenhower achou essa primeira covert operation muito ineficiente e, em março, autorizou que a CIA elaborasse um outro plano para derrubar Castro utilizando exilados cubanos, semelhante à operação da Guatemala contra Arbenz. No mesmo mês, Fidel rompeu com o TIAR e nos meses seguintes recebeu armas do bloco socialista, desafiando o embargo mantido pelos EUA desde 1958. Em abril, o petróleo importado da URSS começou a chegar, mas as refinarias americanas em Cuba, orientadas pelo governo Eisenhower, recusaram a refiná-lo. Fidel reagiu estatizando as refinarias em junho. Em julho, os EUA cortaram a importação de açúcar, mas a URSS e a China comunista foram em auxílio e ofereceram-se para comprar a produção não vendida. Na crescente disputa mundial entre as superpotências da Guerra Fria, Khruschev tinha decidido enfrentar os EUA em uma área sagrada para os americanos – o Hemisfério Ocidental, particularmente o Caribe. Da mesma forma que os EUA e seus aliados ocidentais insistiam em manter o controle sobre Berlim Ocidental, simbolizando a resistência anticomunista em uma região de influência soviética, a URSS ajudaria a criar um reduto antiamericano, se possível socialista, próximo dos EUA, desafiando sua hegemonia hemisférica. Os acontecimentos em Cuba ofereciam uma oportunidade única, que Khruschev não quis perder. De forma extraordinária e ousada, o dirigente soviético chegou a declarar que a Doutrina Monroe tinha morrido e que a URSS não reconheceria mais a hegemonia dos EUA nas Américas.
No segundo semestre de 1960 as relações EUA-Cuba se deterioraram completamente. Em represália ao corte da compra de açúcar pelos EUA, o governo cubano decretou, entre agosto e dezembro, a nacionalização do patrimônio americano na ilha (terras, engenhos, bancos, empresas de comunicações, energia, ferrovias, hotéis, instalações portuárias), ampliando o processo de estatização da economia. Em 2 de setembro de 1960, Fidel fez um discurso conhecido como A Primeira Declaração de Havana, em que denunciou o imperialismo americano, justificou a Revolução Cubana como uma das lutas de libertação latino-americana e sugeriu que o regime revolucionário de Cuba ajudaria os povos da América Latina a se libertaram da dominação dos EUA. Naquele mês, Fidel foi à Nova York discursar na ONU e provocou os conservadores americanos hospedando-se em um hotel no Harlem, tradicional bairro negro, onde foi visitado por Khruschev. Eisenhower reagiu decretando, em 19 de outubro, um embargo comercial parcial: as exportações americanas para Cuba estavam suspensas, excetos medicamentos e alguns alimentos. Essa medida levou o regime cubano a se aproximar mais ainda da URSS em busca de auxílio econômico e militar. Nessa altura, Eisenhower estava no final do seu mandato e resolveu deixar para o sucessor (John Kennedy, eleito em novembro) a resolução do problema cubano. Suas últimas medidas de peso nessa questão, antes de transferir o cargo, foram a suspensão total da importação de açúcar cubano (dezembro de 1960) e a ruptura de relações diplomáticas com Cuba (janeiro de 1961).

3.3 O governo Kennedy (1961-1963)
O senador de Massachusetts, John F. Kennedy, foi eleito presidente dos EUA pelo Partido Democrata – o mais jovem político americano a ocupar o cargo (tinha 43 anos na posse). O seu governo foi marcado por duas das maiores crises da Guerra Fria (de Berlim em 1961 e de Cuba em 1962) e pela intensificação do confronto com o comunismo no Sudeste Asiático, que resultou em um maior envolvimento militar americano no conflito do Vietnã. Por outro lado, Kennedy buscou reforçar os laços entre os EUA e a América Latina com um grande programa de ajuda econômica aos países latino-americanos. Na época de Kennedy, a URSS continuou dirigida por Khruschev, que estava no ápice do seu poder.

(a) O agravamento da Questão Cubana

A “Questão Cubana” – os problemas e incertezas sobre o futuro das relações entre o regime revolucionário antiamericano de Cuba e os EUA – foi um dos principais legados de Eisenhower para Kennedy que, durante a campanha eleitoral, havia criticado o seu antecessor por não ter agido com dureza contra Fidel Castro. De fato, em 1959-1960, os EUA perderam o domínio sobre Cuba, que caminhava rapidamente na direção do socialismo com crescente auxílio e influência da URSS. Em 1961-1963, na época de Kennedy, esse processo se completou e Cuba passou a ser o único país comunista do Hemisfério Ocidental e um importante aliado dos soviéticos na Guerra Fria.

A invasão da Baía dos Porcos (1961). Ao assumir a presidência, Kennedy foi informado do plano da CIA para derrubar Fidel Castro utilizando-se de uma força de 1400 exilados cubanos e mercenários (a Brigada 2506) financiados, armados e treinados pelos EUA na Guatemala e comandados por ex-oficiais do exército de Batista. O plano original previa que os exilados invadiriam Cuba com apoio aéreo americano. A notícia da invasão, pensava-se, despertaria uma revolta popular contra Fidel. Kennedy aprovou o plano, mas fez algumas modificações. A mais importante foi cancelar a participação militar americana direta (o apoio aéreo) para dar a impressão de que a invasão era integralmente “cubana” e não uma intervenção dos EUA, legitimando toda a operação. Essa decisão contribuiu para o fracasso da invasão que, de uma maneira geral, foi mal preparada. Além disso, Fidel foi previamente informado da operação pelo serviço de inteligência soviético. Em 15 de abril, a aviação rebelde, partindo da Nicarágua, atacou aeroportos em Cuba, precipitando medidas repressoras de Fidel contra os opositores, reais ou não. Nos dias seguintes, 100 mil suspeitos de apoiar os invasores foram detidos, entre eles todos os bispos e muitos jornalistas, o que praticamente eliminou as chances de uma revolta contra o regime. No dia 16 de abril, véspera da invasão, Fidel deixou clara a sua posição declarando em um comício que a revolução cubana era socialista. A invasão propriamente dita começou no dia 17 de abril na Baía dos Porcos, na costa centro-sul da ilha, e desde o início foi um desastre. Os invasores possuíam poucos aviões de combate (que para piorar eram antiquados) e suas forças terrestres eram numericamente inferiores aos efetivos do exército revolucionário, reforçado pelas milícias populares organizadas pelo regime – no total mais de 50 mil combatentes. Fidel Castro realmente era odiado por parte dos cubanos, mas seu governo também tinha o respaldo de outra parte da população, sobretudo dos trabalhadores pobres e dos grupos nacionalistas, o que dificultava uma sublevação. Os exilados foram contidos na praia de desembarque e nenhuma revolta ocorreu. No dia 19 de abril, a operação anticastrista terminou em total fiasco. Mais de 100 invasores morreram e 1200 foram capturados (a maioria seria libertada em dezembro de 1962, trocada por alimentos e remédios dos EUA). As baixas cubanas foram estimadas entre 2000 e 5000, a maior parte vítima dos bombardeios aéreos da aviação dos exilados. Apesar das restrições de Kennedy quanto à participação direta dos EUA, o envolvimento americano foi óbvio em toda a operação. A invasão da Baía dos Porcos só serviu para radicalizar o nacionalismo popular cubano e aumentar o apoio interno ao regime de Fidel Castro. O antiamericanismo cresceu em Cuba, na América Latina e várias partes do mundo. O governo dos guerrilheiros cubanos adquiriu mais fama e apoio internacional junto aos movimentos de esquerda, demonstrando ser possível a um pequeno país enfrentar com sucesso o imperialismo de uma superpotência, como um Davi enfrentando um Golias. Na euforia do momento, passou despercebido que os EUA efetivamente não utilizaram o seu enorme poderio militar contra Cuba, mas apenas apoiaram de maneira incompetente e irresponsável uma pequena força mal preparada de invasores. O episódio da invasão fracassada também serviu de pretexto para Fidel Castro aumentar a repressão em Cuba e fortalecer o seu poder, além de acelerar a aproximação cubano-sovética. Em julho de 1961, o M-26-7 fundiu-se com o PSP para formar as Organizações Revolucionárias Integradas ou ORI; em dezembro de 1961, Fidel anunciou que era um seguidor do marxismo-leninismo e, em março de 1962, a ORI virou o Partido Unido da Revolução Socialista Cubana ou PURSC (em 1965 mudou o nome para Partido Comunista de Cuba), com o monopólio do poder político. O crescimento da repressão e o avanço do comunismo em Cuba, por sua vez, aumentou a fuga de cubanos do país (80 mil pessoas em 1961)

O embargo comercial e a Operação Mangusto (1961-1962). Apesar do fracasso humilhante da invasão da Baía dos Porcos, o governo Kennedy continuou tentando derrubar Fidel Castro. Em novembro de 1961, ele autorizou um outro plano para desestabilizar o regime cubano – a Operação Mangusto ou “Projeto Cubano”. Iniciada em março de 1962, a Operação Mangusto empregou diversos meios (sabotagens, infiltração de agentes e tentativas de assassinatos de autoridades) para gerar o caos em Cuba e, esperava-se, causar uma revolta popular contra Fidel por volta de outubro. Antes da Operação Mangusto entrar em ação, os EUA buscaram isolar Cuba no front diplomático e econômico. Em janeiro de 1962, sob pressão do governo americano, a OEA expulsou Cuba da organização (o Brasil se absteve na votação da resolução) e, em fevereiro, Kennedy decretou o embargo econômico total dos EUA contra Cuba (a OEA aderiu ao embargo em 1964, mas suspendeu-o em 1975). No mesmo mês, Fidel lançou a Segunda Declaração de Havana, apelando aos revolucionários da América Latina para que agissem contra os regimes da região e o imperialismo americano.

A crise dos mísseis (1962). Para Fidel Castro e Khrushchev, a derrota dos exilados cubanos na Baía dos Porcos não havia eliminado a ameaça de uma intervenção militar americana em Cuba. Ao contrário, a vitória do regime revolucionário e a transformação de Cuba em um país socialista aliado da URSS reforçavam a possibilidade de que os EUA agiriam militarmente para recuperar o controle sobre a ilha e o prestígio internacional americano. A guerra econômica intensificada por Kennedy, as ações da Operação Mangusto e o isolamento de Cuba no Hemisfério Ocidental pareciam indicar que os EUA estavam preparando uma invasão. Na verdade, Kennedy tinha desistido de invadir Cuba em 1962, embora não descartasse fazer isso no futuro. Khrushchev, por sua vez, considerava prioridade defender Cuba e ampliar a influência soviética sobre a ilha por razões ideológicas e estratégicas. A adesão de Cuba ao comunismo como aliada de Moscou tinha um forte simbolismo e causava um grande impacto psicológico, demonstrando a impotência americana em controlar os acontecimentos na sua tradicional esfera de domínio e a capacidade da URSS de projetar internacionalmente a sua influência no mundo. Para Khrushchev, isso compensava a humilhação de ter que aceitar o controle americano, britânico e francês de Berlim Ocidental, além de reforçar a liderança soviética no bloco socialista no momento em que ocorria a ruptura entre a URSS e a China comunista (outubro 1961). Além disso, por sua posição geográfica (150 km da costa da Flórida), Cuba dava aos soviéticos uma oportunidade única para reduzir ou mesmo eliminar a superioridade dos EUA em armamentos nucleares. Essa superioridade fora ampliada quando, em 1961, depois de uma longa negociação, os EUA convenceram a Turquia, país fronteiriço com a URSS, a aceitar a instalação de mísseis nucleares Júpiter em seu território. Os mísseis ficaram operacionais no início de 1962 e, embora sua tecnologia tenha ficado obsoleta, deixaram a URSS mais vulnerável no caso de uma guerra contra os EUA. Khrushchev protestou inutilmente contra os “mísseis turcos”. Contudo, o estabelecimento de bases de mísseis nucleares americanos em um país vizinho da URSS abriu um precedente para os soviéticos fazerem o mesmo em relação aos EUA.
Em maio de 1962, Fidel Castro e Khrushchev decidiram pela instalação em Cuba, de 36 MRBM (medim-range ballistic missiles ou mísseis balísticos de médio alcance de modelo R-12 ou SS-4 Sandal, com alcance de 1600 km) e 24 IRBM (intermediate-range ballistic missiles ou mísseis balísticos de alcance intermediário do tipo R-14 ou SS-5 Skean, com alcance de 4000 km). Sob o nome de Operação Anadyr, o plano envolvia também o envio de bombardeiros IL-28, caças MiG-21, baterias de mísseis antiaéreos e 60 mil tropas para a ilha caribenha, na maior mobilização militar ultramarina da história soviética. A Operação Anadyr seria complementada pela Operação Kama – a construção de uma base para o estacionamento de 11 submarinos lançadores de mísseis nucleares. Por insistência de Khrushchev, todas as operações seriam feitas em segredo. Os armamentos e soldados começaram a chegar em junho e, no início de outubro, a base naval começou a ser construída. Paralelamente, o regime cubano ampliou e modernizou as suas forças armadas de 40 mil homens, reforçadas por 300 mil milicianos.
Desde o início, os EUA perceberam que uma grande operação militar estava sendo montada em Cuba. Em julho, o serviço de inteligência da França chegou a alertar a CIA de que a URSS estava instalando mísseis em território cubano, mas o governo americano não acreditou. No final de agosto, aviões americanos fotografaram lançadores de mísseis de defesa antiaérea. No dia 4 de setembro, Kennedy afirmou para o Congresso americano que não havia indícios da existência de mísseis nucleares em Cuba. No mesmo dia, o embaixador soviético em Washington confirmou que os mísseis em Cuba eram defensivos e que não havia motivo de alarme. No entanto, no dia 8 de setembro os primeiros mísseis nucleares chegaram a Cuba. No dia 11, o governo soviético comunicou que a URSS não possuía armas nucleares fora do seu território e Khrushchev assegurou pessoalmente ao presidente americano que não pretendia instalar armamentos ofensivos na ilha caribenha. A verdade foi revelada no dia 14 de outubro, quando um avião americano U-2 de reconhecimento descobriu e fotografou os lançadores de mísseis SS-4. No dia 16, Kennedy viu as fotos e organizou um Comitê de Segurança Nacional para analisar o fato e propor medidas imediatas. Era o início da Crise dos Mísseis Cubanos, chamada também de Crise de Outubro ou Crise Caribenha – 13 dias de confronto entre os EUA e a URSS (junto com Cuba), no episódio mais tenso da Guerra Fria, quando as duas superpotências estiveram próximas de um conflito militar de conseqüências imprevisíveis.
No dia 18 de outubro, Kennedy encontrou-se com o ministro das relações exteriores da URSS, Andrei Gromyko, que, desconhecendo que o presidente americano já sabia da existência dos mísseis, reafirmou que não havia armas ofensivas soviéticas em Cuba. No dia seguinte, os americanos descobriram que pelo menos quatro lançadores de mísseis eram operacionais. A insistência soviética em mentir sobre o assunto e caráter secreto da instalação dos mísseis (ao contrário dos similares americanos na Turquia, que foram instalados abertamente) pareciam indicar que a URSS planejava algum ataque surpresa contra os EUA. Mesmo que os soviéticos pensassem em revelar a existência do arsenal nuclear no Caribe depois que ele estivesse totalmente instalado, era uma situação não só militar como politicamente inaceitável para os EUA: tolerar os mísseis seria um sinal de fraqueza americana, com implicações gravíssimas para a liderança do país nas Américas e no bloco capitalista de uma maneira geral.
Os militares americanos pressionaram Kennedy para que ordenasse um ataque aéreo a Cuba, preferencialmente seguido de invasão. Embora não descartasse totalmente essa possibilidade, ele optou primeiro por um bloqueio naval da ilha, oficialmente chamado de “quarentena”: a marinha americana cercaria Cuba e impediria a chegada de navios carregando equipamentos militares. Os navios só seriam autorizados a passar pelo bloqueio depois de inspecionados e a quarentena só seria suspensa se a URSS assegurasse que iria retirar os mísseis imediatamente.
No dia 22 de outubro, Kennedy fez um pronunciamento na televisão anunciando a descoberta dos mísseis e a imposição do bloqueio naval. No dia 23, a OEA apoiou a medida. No mesmo dia, Khrushchev afirmou que o bloqueio era ilegal e que não iria respeitá-lo. No dia 24, o bloqueio começou a ser aplicado. Nessa altura, já tinham chegado a Cuba 42 mísseis, acompanhados por 47 mil soldados soviéticos, embora apenas 9 foguetes estivessem plenamente operacionais. Os navios que rumavam para Cuba acabaram se desviando (um navio-tanque conseguiu furar o bloqueio no dia 25). A quarentena deixou Cuba isolada, mas a URSS não parecia disposta a retirar os mísseis. A situação piorou no dia 26 quando, diante do impasse, Kennedy deu sinais de que considerava ser necessário invadir a ilha para destruir os mísseis. No mesmo dia, Fidel Castro tentou convencer Khrushchev a atacar os EUA. No dia seguinte, um avião americano foi derrubado sobre Cuba e outro atingido pelo fogo antiaéreo.
No entanto, paralelamente a escalada da crise, Kennedy e Khrushchev, continuaram mantendo contatos formais (telegramas, embaixadores) e informais (pronunciamentos em rádio, intermediação de outros países e da ONU) buscando uma solução negociada. O agravamento do confronto nos dias 26-27 e o temor de uma guerra que não interessava aos dois dirigentes forçaram o estabelecimento do Acordo Kennedy-Khrushchev, no dia 28 de outubro, encerrando a crise: os EUA suspenderiam o bloqueio naval e a URSS retiraria seus mísseis, bombardeiros e a maior parte das tropas soviéticas de Cuba. Essas decisões foram públicas, porém o acordo envolvia secretamente outras duas contrapartidas dos EUA: eles retirariam os seus mísseis da Turquia alguns meses depois e se comprometeriam em não invadir Cuba, desde que o regime de Fidel Castro não ameaçasse diretamente a segurança nacional americana. Como o compromisso soviético foi público e o americano secreto, aparentemente somente a URSS é que havia cedido, parecendo que Kennedy tinha triunfado completamente sobre Khrushchev e Fidel.

Conseqüências do Acordo Kennedy-Khrushchev. O acordo evitou uma guerra nuclear, mas gerou descontentamento nos dois lados. Pelo menos uma parte dos militares americanos ficou insatisfeita, por considerar que os EUA cederam demais e perderam a oportunidade de destruir o regime comunista cubano. O recuo de Khrushchev também foi criticado por membros do Partido Comunista da URSS, que o consideraram humilhante, além de não ter resolvido a questão de Berlim Ocidental. Fidel Castro também condenou o acordo, sobretudo por não ter sido consultado, e pelo fato da negociação não envolver a retirada americana de Guantánamo. No entanto, a solução da crise foi muito favorável ao seu governo, que conseguiu escapar de uma invasão americana e sobreviver como o único regime comunista da América.

A sobrevivência do socialismo cubano e suas conseqüências. Como os demais países socialistas, Cuba adotou um modelo político e econômico caracterizado pela ditadura monopartidária (do partido comunista) em nome dos trabalhadores e pela estatização dos meios de produção e dos serviços. Foram feitos grandes investimentos na educação e saúde públicas que, além de terem a sua qualidade melhorada, beneficiaram um número maior de cidadãos, transformando-se nas principais “vitrines” do regime de Fidel Castro. Contudo, o país continuou possuindo uma economia agrária dependente da exportação de açúcar e do auxílio financeiro estrangeiro, particularmente da URSS. Apesar do desenvolvimento econômico limitado, da forte repressão política e da censura, uma parte expressiva da população apoiou o regime por causa dos ganhos sociais, do carisma de Fidel Castro e do sentimento nacionalista que se confundia com ideais socialistas e antiamericanos. Esse nacionalismo era reforçado pela crença de que os cubanos haviam derrotado o imperialismo americano em 1959-1962 e o derrotariam novamente no futuro, desde que mantivessem uma forte união em torno do regime revolucionário e do seu líder supremo. Muitos cubanos, no entanto, sobretudo das antigas elites econômicas e da classe média, não tinham essa avaliação. Eles odiavam o comunismo por ele combinar a repressão política, a intolerância ideológica, a eliminação da propriedade privada e a supressão da liberdade econômica individual, em um quadro de redução drástica do padrão de vida (dos ricos e da classe média) pelo nivelamento “por baixo”, resultado de medidas igualitárias e coletivistas que visavam beneficiar os segmentos mais pobres da sociedade cubana. Nesse contexto, 70 mil cubanos fugiram para os EUA em 1962. No total, entre 1959 e 1962, 190 mil pessoas fugiram de Cuba, que tinha 6 milhões de habitantes. Em 1965-1971, outros 250 mil cubanos fugiram do país. No final da década de 1980, o número de refugiados cubanos nos EUA aproximou-se de um milhão, cerca de 10% da população de Cuba.

A internacionalização da Revolução Cubana. A consolidação do regime de Fidel Castro em Cuba, com suas características socialistas, nacionalistas e antiamericanas – um conjunto de elementos que seus partidários classificaram de “antiimperialistas” – naturalmente teve um grande impacto na América Latina durante a Guerra Fria, exercendo uma forte influência sobre as esquerdas da região e de outras partes do Terceiro Mundo, como a África. Com efeito, Cuba estimulou, muitas vezes de forma direta, os movimentos revolucionários latino-americanos e africanos de um jeito que nem mesmo a URSS havia feito. Um dos principais defensores da “exportação” ou internacionalização da Revolução Cubana na década de 1960 foi Che Guevara. Suas idéias inspiraram o desenvolvimento de um modelo revolucionário baseado na “teoria do foco” ou “foquismo”: a guerrilha de base rural, estabelecida a partir de um pequeno grupo ou “foco” de guerrilheiros profissionais e dedicados que, gradualmente, ganhariam o apoio dos camponeses, ampliando o número de combatentes até gerar um movimento popular que levaria a derrubada de um regime. Embora o modelo original destacasse a revolução no meio rural com apoio camponês, essa teoria foi adaptada para a luta revolucionária nas grandes cidades – a guerrilha urbana. Essas idéias de luta armada são herdeiras de uma tradição revolucionária mais antiga na América Latina, anterior a penetração do marxismo na região. O que a Revolução Cubana fez foi combinar essa tradição com as idéias marxistas, dando uma outra dimensão aos movimentos revolucionários e aos seus objetivos. Ao contrário do que se costuma supor, essas idéias não tiveram apoio unânime dos partidos comunistas latino-americanos, que ficaram, na verdade, rachados quanto a melhor tática a ser empregada em prol da revolução socialista a curto, médio ou longo prazo (guerrilha rural ou urbana, aliança com grupos nacionalistas, infiltração do movimento operário, influência cultural no sistema educacional e na mídia etc). Essas divergências sobre os métodos revolucionários, no entanto, não impediram que as diversas correntes da esquerda latino-americana apoiassem o comunismo cubano e buscassem inspiração ou algum tipo de ajuda junto ao regime de Fidel Castro. De qualquer forma, é possível que 2 mil latino-americanos tenham sido treinados nas técnicas de guerrilha em Cuba na década de 60.
Na verdade, na maior parte dos casos, a luta armada influenciada ou apoiada por Cuba fracassou. Em 1962-1963, o governo cubano ajudou na organização de um grupo guerrilheiro na Argentina que foi rapidamente destruído. Em 1963-1967, outro grupo maior foi organizado na Venezuela, mas também foi mal-sucedido. Em 1965, Che Guevara e uma centena de guerrilheiros negros cubanos foram enviados ao Zaire (Congo belga), na África Central, para ajudar rebeldes marxistas na guerra civil congolesa, sem sucesso. Em 1966, o governo cubano patrocinou a criação da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) com o objetivo de cooperar com os grupos revolucionários da América Latina. Em 1966-1967, Che Guevara e um pequeno grupo de cubanos tentou organizar uma guerrilha na Bolívia. A expedição revolucionária fracassou e Che foi capturado e morto pelas forças bolivianas (outubro, 1967). O maior envolvimento cubano no exterior foi em Angola, antiga colônia portuguesa na África, que ficou independente em 1975. O país ficou mergulhado na guerra civil entre o governo marxista do MPLA (Movimento Pela Libertação de Angola), encabeçado por Agostinho Neto, e grupos rivais (FNLA ou Frente Nacional Pela Libertação de Angola e UNITA ou União Nacional Pela Independência Total de Angola) apoiados pela África do Sul e os EUA. A URSS e Cuba, por sua vez, apoiaram o governo angolano. A ajuda militar de Havana foi decisiva para a sobrevivência do MPLA: mais de 60 mil soldados cubanos foram enviados a Angola em 1975-1991, participando de vários combates contra as tropas sul-africanas. A segunda maior participação de Cuba em um conflito internacional foi também em outro país africano, a Etiópia: 24 mil soldados cubanos foram enviados para o país em 1977-1979 durante a guerra contra a vizinha Somália.


(b) A Aliança Para o Progresso (1961) Aliança Para o Progresso foi o nome do programa de ajuda econômica dos EUA aos países da América Latina na década de 1960. Desde o final dos anos 40, cogitava-se a possibilidade dos EUA auxiliarem o desenvolvimento dos países latino-americanos com um programa semelhante ao Plano Marshall aplicado na Europa, mas os governos Truman e Eisenhower resistiram por não considerarem a região prioritária para esse tipo de ação. De fato, entre 1948 e 1958, a América Latina recebeu apenas 2.4% da ajuda econômica americana no exterior. Entretanto, o crescimento do antiamericanismo, demonstrado na viagem de Nixon de 1958, e, sobretudo, o temor da influência da Revolução Cubana na região levaram os EUA a mudarem de posição na época em que Kennedy assumiu a presidência. Baseada em uma proposta de Juscelino Kubitschek (a Operação Pan-Americana de 1958), a Aliança Para o Progresso foi lançada oficialmente pelos EUA na Conferência Interamericana de Punta del Este, no Uruguai (agosto, 1961). O programa tinha o objetivo de desenvolver a democracia liberal e a modernização capitalista na América Latina para conter a penetração do comunismo. Originalmente, a Aliança Para o Progresso previa empréstimos facilitados, o planejamento econômico com objetivo de industrialização e investimentos sociais visando uma drástica redução da pobreza (alfabetização em massa, melhoria e ampliação da saúde pública, reforma agrária em áreas improdutivas) por um período de 10 anos. Entretanto, os seus resultados foram limitados. A América Latina recebeu mais de 22 bilhões de dólares em auxílio econômico durante uma década, a industrialização avançou e o crescimento das economias latino-americanas ultrapassou o nível dos anos 50 (mais de 3% em 1970, comparado aos 2.1% da década de 1950), mas isso foi insuficiente. Além de a região precisar de muito mais recursos, grande parte do dinheiro retornou para os EUA sob a forma de pagamento da dívida ou da remessa de lucro das empresas americanas multinacionais. Por outro lado, as elites econômicas resistiram em fazer as reformas sociais mais fundamentais, sobretudo a reforma agrária, e o analfabetismo diminuiu pouco. Além disso, em um contexto de radicalização política, crescimento dos movimentos populares reformistas e reação dos grupos conservadores, os regimes democráticos na região, tradicionalmente frágeis, não obtiveram o apoio que se esperava da cada vez mais numerosa classe média urbana e entraram em colapso, sendo substituídos por ditaduras militares. Apesar do desgosto de Kennedy com os golpes de Estado em 1962-1963 na Argentina, Peru, Guatemala, Equador, Republica Dominicana e Honduras, na prática ele pouco fez para efetivamente apoiar as democracias nesses países (com exceção do Peru, redemocratizado em 1963). A situação política se agravou e a Aliança Para o Progresso tomou um novo rumo depois que Kennedy foi assassinado (novembro 1963) e Lyndon B. Johnson assumiu a presidência dos EUA (1963-1969). Johnson manteve a ajuda econômica, mas questionou a viabilidade das reformas sociais na América Latina e a capacidade da região enfrentar a ameaça comunista por meios democráticos (ele estava especialmente preocupado que o Brasil, governado por João Goulart, virasse uma “nova China comunista”). O resultado foi o apoio do seu governo à instalação de ditaduras militares antipopulistas e anticomunistas, vistas como o melhor instrumento para a contenção dos movimentos revolucionários latino-americanos e para a criação da estabilidade política necessária ao desenvolvimento do capitalismo na América Latina, auxiliado e vinculado aos EUA.